— Por que nos tratam assim?
— De que outra maneira nos tratariam?
Tenho uma vaga lembrança de ter assistido a uma notícia de que rapazes negros, acusados injustamente de um crime, foram soltos, após um juiz anular as sentenças. Lembro, também vagamente, de ter ficado bem chateada (lê-se revoltada) e conversado com minha mãe a respeito. O diálogo acima pertence à minissérie Olhos que Condenam, porém foram questionamentos que, provavelmente, rondavam a minha mente à época. Nesta resenha, falarei a respeito dessa obra, baseada em fatos, que retrata um dos inúmeros casos de racismo de forma bem explícita.
Vamos dar uma olhada na sinopse da Netflix que, ainda bem que é pequena, pois tenho muito a dizer sobre essa minissérie:
Cinco adolescentes do Harlem vivem um pesadelo depois de serem injustamente acusados de um ataque brutal no Central Park. Baseada em uma história real.
Olhos que Condenam é uma minissérie dirigida e roteirizada pela cineasta Ava DuVernay, que conta a parte trágica da vida de cinco adolescentes que viviam no Harlem e foram acusados de um crime que NÃO cometeram, algo que ganhou grande repercussão na época, tamanha era a brutalidade: acreditava-se que tinha sido um estupro coletivo, devido ao estado da vítima. O fato era que não havia nada, absolutamente nada, que comprovasse a acusação. Tudo foi um plano arquitetado pelo departamento de polícia que estava tratando do caso, para incriminar os adolescentes.
Na noite de 19 de abril de 1989, adolescentes, em sua maioria negros, saíram em grupos, indo em direção a um parque. Nesse caminho, eles mexiam com as pessoas que caminhavam, andavam de bicicleta, assustando-as com gritos, atrapalhando a passagem… Saíram pra zoar. Houve uma confusão com briga física em um dos grupos, o que atraiu a atenção dos policiais para aquela área. Nesse mesmo momento, mas em um ponto do parque muito distante da primeira ocorrência, a investidora bancária Trisha Meili fazia sua corrida noturna, quando foi abordada por um homem, Matias Reyes, que a estuprou, deixando-a para morrer, envolta à uma poça de sangue. Pelo fato de ambos os casos terem acontecido no Central Park e como os policiais não tinham nenhuma pista do estuprador, visto que a testemunha ficou em coma por dias, a polícia, mais precisamente, a investigadora Linda Fairstein, resolveu “ligar” os fatos e incriminar os meninos detidos naquele dia. Uma “varredura racial” foi feita no Harlem, onde os policiais “recolheram” trinta adolescentes para “depor” e, desses, apenas cinco permaneceram detidos, onde se criou uma narrativa do que aconteceu com Trisha, pondo os cinco meninos negros como culpados.
A minissérie prova como o sistema policial e penal são falhos e racistas, uma vez que não existia consistência nas acusações e não havia nenhuma prova concreta, nem testemunha ocular, que incriminasse os meninos (eles tinham entre 14 e 16 anos). E é racista pelo fato de como houve uma FACILIDADE ABSURDA em acusar um preto de um crime. É nítido como é fácil relacionar e rotular o(a) preto(a) a algo negativo, como se na dúvida, a culpa é do preto. O próprio nome da minissérie expressa essa visão racista da sociedade, tanto na versão traduzida, como na tradução do título original When They See Us (Como eles nos vêem). Além disso, minissérie também retratou a ideia racista de que “preto é tudo igual”, quando os policiais abordam qualquer menino negro com a idade requerida pela investigadora e tudo isso com a ideia de que não há quem vá lutar por ele ou com ele, a ideia de que são sempre solitários, “filhos de ninguém”.
Os saltos na linha temporal de Olhos que Condenam retratou outro fator que não aconteceu apenas nesta história, mas que acontece na vida de qualquer presidiário: o tratamento dentro das prisões e a mudança na vida de um ex-presidiário e de sua família, após anos tendo este ausente. As dificuldades que um ex-presidiário enfrenta para se reerguer na sociedade (conseguir um emprego, a confiança das pessoas…) e a luta contra às “alternativas fáceis” que a mesma lhe oferece, portas fáceis para o retorno à prisão.
Korey Wise, Raymond Santana, Kevin Richardson, Antron McCray e Yusef Salaam que, infelizmente, ficaram conhecidos na época com o caso chamado “Os Cinco do Central Park” foram representados na primeira fase desta minissérie de forma brilhante, respectivamente, por Jharrel Jerome, Marquis Rodriguez, Asante Blackk, Caleel Harris e Ethan Herisse, que são adolescentes extremamente talentosos! Na segunda fase, com atores adultos, Jharrel Jerome é o único ator que permanece interpretando Korey e é absurdamente perfeito em sua atuação. Esse rapaz merece um Globo de Ouro, com toda certeza! O elenco foi muito bem escolhido e, falo isso, além do talento, já que os atores em ambas as fases, pareciam com os cinco rapazes acusados erroneamente.
A fotografia e as músicas de Olhos que Condenam foram agregados à trama de maneira a contribuir com a mensagem que Ava queria nos transmitir com essa história. Os tons das cores das roupas, da ambientação, mudavam de acordo como o clima da história ia ficando mais tenso, o que foi perfeitamente sentido, falando como telespectadora. Outra coisa interessante quanto às cores é que, quando foram detidos, todos os meninos vestiam roupas que continham as cores da bandeira americana.
Olhos que Condenam é uma minissérie que merece, absolutamente, TODOS os prêmios possíveis! É uma obra que contém fatos explícitos de racismo e como ele ainda existe e não é “coisa da cabeça das pessoas” como muitos vomitam por aí. Temos, aqui no Brasil casos recentes, como Bárbara Quirino, condenada por uma assalto que não cometeu (Ela é modelo e estava fora do estado à trabalho, quando sua prima se envolveu num assalto. Por ter as mesmas características físicas da prima, como o cabelo e a cor da pele e, mesmo tendo as fotos como provas, estas apagadas de seu celular por policiais, e sua prima e demais envolvidos dizerem que ela não tinha envolvimento, Bárbara foi condenada à 5 anos de prisão.). Outro caso ainda mais recente foi quando Leonardo Nascimento também foi preso injustamente por um latrocínio (Leonardo foi “identificado” pela mãe do rapaz morto, sendo que o verdadeiro assassino Yuri Gladstone foi preso e confessou o crime. Mesmo com álibis e provas de câmeras de segurança, a polícia demorou para soltar do rapaz, que, segundo seu pai, chegou a ficar irreconhecível, de tão abatido.) Se não ficar claro, para quem assistir essa série, que o racismo AINDA existe, sinceramente, não há mais como explicar.

“Eu sou Groot” e professora. Adoro assistir filmes e séries; ler livros e HQs e “eu QUERIA fazer isso o dia todo”. Espero ter “vida longa e próspera”…