Envelhecer. Algo que não costuma ser uma questão durante parte das nossas vidas. Seja por parecer distante, seja por estarmos imersos na correria da vida adulta. É como se assistíssemos o processo nas pessoas ao redor, sem nos dar conta que seremos os próximos. Pelo menos para mim, foi assim. Porém, uma hora ou outra, vestimos essa condição. Como lidar? Acho que não tem fórmula, mas a arte pode ser bem didática. Nessa proposta, se encontra La Obsolescencia Programada de Nuestros Sentimientos, minha última leitura. Bora falar sobre?
Mas antes, sinopse:
Ulisses, um viúvo de 59 anos, é forçado a se aposentar mais cedo de seu trabalho como transportador. A solidão e a sensação de vazio vão tomando conta dele aos poucos. Ele não consegue nem encontrar conforto na companhia de seus filhos: sua filha morreu em um acidente aos 16 anos e seu filho está muito ocupado com seu trabalho. A Sra. Solenza, de nome Mediterrânea, tem 62 anos. Quando jovem, foi modelo de capa de revista. Ela nunca se casou e dirige o negócio da família: uma loja de queijos herdada de sua mãe, que acaba de falecer após uma longa doença. Ela também está sozinha.
Duas almas solitárias, cada vez mais perto da velhice. Até que um dia, o curso de suas vidas será mudado por um encontro casual no consultório médico do filho de Ulisses. Porque entre esta mulher e este homem uma linda e especial história de amor será tecida, e maravilhosamente portadora do futuro.
O primeiro ponto que quero destacar é o título. Em tradução livre, seria “a obsolescência programada de nossos sentimentos”. A nível de mercado, obsolescência programada é uma prática utilizada por fabricantes, cujo objetivo é forçar o consumidor a comprar um novo produto, mesmo que o atual esteja em perfeitas condições de funcionamento.
Quando Zidrou traz ao roteiro essa ideia de obsolescência aos humanos, é um “soco no estômago”. Em cada página fica escancarada as consequências do que pode ocorrer por tratarmos as nossas vidas como uma empresa visando produtividade. Através dos diálogos é possível vestir o sentimento de inutilidade dos idosos em inúmeras situações, seja por crenças estabelecidas ou por preconceito dos mais jovens ao redor.
Esses sentimentos dialogam diretamente com as questões do corpo em processo de envelhecimento. Por conta do passado dos protagonistas, temas como força e beleza surgem com frequência. Contudo, cabe destacar que, a partir do encontro entre Ulisses e Mediterrânea, essas problemáticas ganham novos olhares. Em suma, a narrativa nos convida a não aceitarmos a obsolescência enquanto houver vida.
Juntamente com todas essas reflexões diretas e potentes, temos os traços e as cores de Aimée de Jongh. Em cada página, a artista trata todas as incertezas e conflitos dos personagens com muita delicadeza e beleza. Há desenhos e diagramações tão bonitas, que dá gosto de parar a leitura para ficar olhando.
La Obsolescencia Programada de Nuestros Sentimientos pode não agradar os leitores mais jovens, talvez a mensagem seja distante. Porém, para quem vive o envelhecimento ou acompanha algum de perto, posso dizer que é uma leitura necessária. Pensar a vida além da produtividade se faz importante, afinal, um dia deixaremos de ser produtivos. Logo, acredito que se faz importante ressignificar o que é produzir, para não nos colocarmos no lugar de obsoletos.
Aka Joe. Professor de linguagens místicas na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, profissional de estudos psíquicos na Escola Xavier para Jovens Superdotados, amador na arte de grafar e consorte da Bel. Entusiasta dos bardos, contadores de histórias, sábios, estrategistas, aventureiros, tabernistas e bobos da corte.