Você conseguiria enxergar uma divindade como ela é, de verdade, ou como alguém diz a você como ela é, moldando sua percepção sobre este ser divino? Esta é uma das reflexões contidas em Jesus Cristo no Texas, de W.E.B. Du Bois (1868-1963), conto de 1920 que foi traduzido por Stefano Volp, no Clube da Caixa Preta. Este é um financiamento coletivo que visa resgatar contos esquecidos (mas de muita importância) de autores negros, traduzindo e publicando-os por aqui. Conto lido e então aqui estou para falar sobre ele, sem spoiler.
Mas, antes disso, vamos à sinopse:
Um estrangeiro visita uma cidadezinha no Texas e, com doçura no olhar e um falar confiante, impressiona todos que encontra. Sua aparência física é exatamente como seu jeito cativante, mas aos olhos de alguns, a aparência do estrangeiro não é assim a todo momento.
Jesus Cristo no Texas é um conto que nos apresenta como o reconhecimento pode ser algo individual aos olhos. Durante uma conversa, numa prisão de Waco, no Texas, um homem, que aparentava ser para os que ali estavam alguém estranhamente conhecido, participava de uma conversa entre um guarda e um coronel, a respeito do que fazer com um dos prisioneiros. Ninguém sabia seu nome, mas o homem que lhes eram familiar, lhes passava extrema confiança e assertividade no que dizia, que era prontamente acatada pelos presentes, como o coronel, que o ofereceu carona e hospitalidade em sua casa. Mas, na penumbra que a noite e o local proporcionavam, nenhum dos homens enxergavam o estrangeiro como ele realmente o era: um homem preto.
W.E.B. Du Bois nos apresenta um Jesus que muitos não quiseram e ainda não querem enxergar. Um Jesus estrangeiro, que é moldado propositalmente pelos brancos europeus, pois é difícil para eles ver uma divindade estrangeira, uma divindade de pele não branca. Neste conto, Du Bois que, ajudou em seus trabalhos a criar a identidade do negro na América, explicita o não reconhecimento de um homem negro de pele um pouco mais clara, causando uma certa confusão aos lhos de pessoas brancas que não sabem se esse Jesus é um branco ou um preto. Muitas vezes, até mesmo a voz do estrangeiro era interpretada por eles como sendo “a voz de um homem branco”.
Na tradução feita por Stefano Volp, foram mantidas as expressões de peles “meio amareladas”, “verde-oliva”, ou ainda “mulato” (esta última, até pouco tempo, não era vista como um termo depreciativo), são utilizadas apenas pelas pessoas brancas do conto, que têm dificuldades para reconhecer o ser divino, um ser com o qual eles se sentem bem quando estão por perto, mas têm relutância em admitir a negritude deste.
Isso vai muito de encontro com a forma eurocentrada das coisas e de como Jesus é apresentado na sociedade, pois é difícil para as igrejas cristãs reconhecerem que Jesus não era um homem de cabelo loiro, pele branca e olhos azuis. Ainda seria um ultraje para muitos cristão nos dias atuais entrarem numa igreja católica, no caso, já que esta faz uso de imagens, e se depararem com um Jesus de pele escura, de olhos e cabelos pretos. Assim como ainda ocorrem em igrejas protestantes debates em que pastores (não quero citar nomes, mas você sabe de um ou outro) fazem interpretações de passagens bíblicas de que o povo negro, o nascer de pele escura, mais precisamente, o povo africano, nasce com uma “maldição hereditária”.
Em Jesus Cristo no Texas, o autor ainda faz críticas ao linchamento (palavra que se originou da Lei de Lynch, que desencadeava ódio, perseguição e morte à negros e índios, apesar destes terem leis que os protegiam) de pessoas pretas nos EUA, com referência ao linchamento de um homem preto, Jesse Washington, ocorrido em Waco, no Texas, que é onde a obra de W.E.B. Du Bois é ambientada.
Com uma linguagem de fácil compreensão e com um enredo que prende o leitor, Jesus Cristo no Texas é um conto denso de conteúdos a serem discutidos além dos apresentados aqui. Há questões implícitas e explícitas que fazem deste uma leitura com assuntos para um debate atual. As obras de W.E.B. Du Bois como esta e O Mundo Está Morto ainda se fazem necessárias.
“Eu sou Groot” e professora. Adoro assistir filmes e séries; ler livros e HQs e “eu QUERIA fazer isso o dia todo”. Espero ter “vida longa e próspera”…