Lemos: A Esposa de sua Juventude


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On 3 de março de 2021
Last modified:3 de março de 2021

Summary:

Promessas, sofrimento, esperança, reconhecimento, lembranças... A Esposa de sua Juventude, conto de Charles W. Chesnutt (1858-1932), tem um pouco de cada uma dessas coisas (e mais), seja implícita ou explicitamente. Ensaísta, ativista político e advogado, Chesnutt foi um dos primeiros escritores negros americanos. Este conto é mais um dos que foram traduzidos e publicados por aqui, pela primeira vez, através do Clube da Caixa Preta, um financiamento coletivo da Editora Escureceu, que tem como propósito o resgate de contos esquecidos, porém não menos importantes. Aqui falarei um pouco  das minhas impressões sobre o mesmo, mas sem spoilers. Me acompanhe!

Promessas, sofrimento, esperança, reconhecimento, lembranças… A Esposa de sua Juventude, conto de Charles W. Chesnutt (1858-1932), tem um pouco de cada uma dessas coisas (e mais), seja implícita ou explicitamente. Ensaísta, ativista político e advogado, Chesnutt foi um dos primeiros escritores negros americanos. Este conto é mais um dos que foram traduzidos e publicados por aqui, pela primeira vez, através do Clube da Caixa Preta, um financiamento coletivo da Editora Escureceu, que tem como propósito o resgate de contos esquecidos, porém não menos importantes. Aqui falarei um pouco  das minhas impressões sobre o mesmo, mas sem spoilers. Me acompanhe!

Mas, antes disso, vamos à sinopse:

Sr. Ryder é um homem muito respeitado dentro de uma sociedade denominada Sangue Azul, um grupo constituído por pessoas, cuja a cor da pele é “mais branca do que preta”. Depois de passar um bom tempo solteiro, mas sendo muito requisitado pelas mulheres, este homem, finalmente, escolhe a sua amada, aquela com quem passará o resto de sua vida.

O autor de A Esposa de sua Juventude, Charles W. Chesnutt, é um autor negro, descendente direto de família negra, que fora escravizada, com europeus. Chesnutt poderia se passar por branco perante a sociedade por ter a pele muito clara, mas sempre se reconheceu como negro e assim também foi reconhecido pela comunidade negra. Seus contos e romances tratavam de questões complexas de identidade racial e social no sul dos Estados Unidos da pós-Guerra Civil.

O conto em questão, foi publicado 1898, trata da complexidade identitária e foi muito bem recebido pela crítica. O mesmo foi publicado na revista The Atlantic, da qual Charles W. Chesnutt viria a se tornar editor, após o sucesso de A Esposa de sua Juventude.

A sinopse já dá indícios do conteúdo que Chesnutt sempre insere em seus escritos. O protagonista, Sr, Ryder, é um homem negro de pele clara que se filiou à Sociedade do Sangue Azul, cujos membros eram pessoas que nasceram livres e que, o único requisito para ser membro desta, era ter caráter e cultura, afim de estabelecer ou manter padrões sociais de decência. Mas a história gira em torno de um jantar que seria dado pelo Sr. Ryder, com a intenção de pedir a mão de uma jovem mulher em casamento, esta que teria a pele um pouco mais clara do que a dele. Toda essa informação já abre alas para a discussão do colorismo no conto. É claro que este termo surgiu mais tarde, mais precisamente em 1982, mas é nítida a presença do mesmo na obra do século XIX.

Para quem não sabe, colorismo ou a pigmentocracia é comum (!) em países que sofreram com a colonização européia e com a pós-escravidão. Para definir de forma direta, colorismo o tratamento diferenciado que a sociedade oferece entre pessoas negras de pele escura e negros de pele clara. É notório que o discurso do conto muito transparece a ideia de os negros de pele clara ter mais oportunidades ou ser “mais bem visto” pela sociedade (branca) e que os pensam por processos de embranquecimento que almejassem essa aceitação. À época, provavelmente, tais temas não eram debatidos ou vistos como são hoje, mas é interessante percebê-los na obra.

Há outros temas interessantes, mas se eu mencioná-los, será um grande spoiler. Mas não poderia finalizar esse texto sem falar da tradução desse conto, que é excelente! Todos os contos da Caixa Preta são muito bem traduzidos e contextualizados, mas esse ganhou a minha atenção, pela excelência em incutir um sotaque característico, um jeito de falar de um personagem, que vai muito além de uma sonoridade interiorana. Mesmo que este conto tenha sido publicado no século XIX, o tradutor João Souza conseguiu fazer com que o leitor se aproximasse mais da trama, que mergulhássemos na mesma.

A Esposa de sua Juventude é um conto com um final surpreendente e que carrega uma bagagem imensa de discussões que permeiam os dias atuais. Inclusive, creio que Charles W. Chesnutt incutiu neste conto, questões pelas quais passava a respeito de sua negritude e a aceitação da sociedade a respeito da mesma. Esta é uma questão que ainda é debatida no século XXI. Para este conto eu daria 4,5, mas como não temos meias torradas, darei merecidas cinco.